A primeira foi assim:
Vinte e três de Agosto, de 2050:
Pensei em começar a escrever esta carta com um
simples Olá, nada muito cordial nem nada muito artificial. Achei má ideia
porque de Olás clichés está o mundo feito.
Depois pensei que seria interessante descrever-me
mas acho isso mau porque já todos os dias as pessoas o fazem, sem ninguém lhes
pedir nada, logo não te quero (espero
que não haja problema de nos tratarmos por ‘tu’ porque afinal de contas as
barreiras são limites imaginários) maçar com isso.
Com o tempo vais tirando as tuas conclusões de
quem sou. Podes tratar-me por João, ou por Pedro, ou por Manuel, é como tu
quiseres porque nem eu sei quem sou. Depois de escrever isto achei que esta era
uma boa forma de começar esta carta e não a alterei mais.
Podia-te falar de mil e uma coisas, mas vamos
rápido porque a música só dura doze minutos:
Estou velho e com falhas de memória (o meu maior
mal). Ontem ao arrumar umas tralhas dei
de caras com os meus brinquedos antigos. Hoje já não brinco e o meu passatempo
favorito tem sido pôr-me à janela e reparar nas pessoas. Gosto de olhar para as
pessoas e brincar com elas, dar-lhes uma
vida, tal como fazia com os meus bonecos.
AH, a nostalgia, essa inútil que só nos faz olhar
para trás e com quem eu não consigo deixar de me relacionar desde o dia em que
ela morreu... Lembro-me agora de um dia
em que fomos para o lago nadar, estava calor, lembro-me bem desse calor,
abrasador. Saímos de casa e o meu relógio marcava duas da tarde, em ponto...
Nadamos o dia todo em círculos, em círculos, em círculos, até nos cansarmos e
ficarmos tontos e fartos de água...
Quando saímos da água o calor já não era tanto e
eu mal sentia as pernas e os braços, ainda assim tive força para a abraçar no
final daquele dia...
Lembro-me bem disso!
Faltam dez minutos para as duas da tarde e os
vizinhos da frente estão a preparar-se para sair.
Hoje, João.
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